Graduandos: Wilson Renato Heidenfelder de Carvalho Jr.
Andressa Alcoforado
Carolina Benevides Calheiros
Orientação: Professor Ms Orávio de Campos Soares
Palavras chaves: Crença Popular, Folclore, Memória
Resumo: Ao quase contemplar um século no mercado brasileiro de bebidas, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, produzido no município do mesmo nome situado junto à foz do rio Paraíba do Sul, no norte fluminense está envolvido com uma série de curas miraculosas e há histórias fantásticas, ainda no domínio da oralidade, dando conta de seus efeitos também afrodisíacos. A pesquisa tem por objetivo concentrar todas as crendices populares transformando-as em registro histórico, desde o folclore da criação da fórmula do conhaque, guardada a sete chaves pelos proprietários da empresa “Thoquino”, até os dias atuais, enfatizando o fato de os efeitos dos milagres estarem, apesar dos anos, vivos no consciente coletivo, fazendo com que o produto, apesar da empresa possuir outras alternativas, continue liderando os índices de vendas.
Introdução Temática: Na verdade um presente, sim um presente que acabei por ganhar de meu coordenador do Curso de Comunicação da Faculdade de Filosofia de Campos – FAFIC. A princípio não entendi, nem tinha noção sobre o que falar, onde começar a pesquisar e muito menos me expressar sobre algo que ainda nem havia experimentado. O Conhaque de Alcatrão da São João da Barra, “O Conhaque do Milagre”. Mas de que milagre estamos falando? Que magia será esta que envolve esta bebida, tida por muitos por afrodisíaca e para tantos outros tidos apenas por uma bebida muito especial. De que curas miraculosas estamos nos referindo?
Confesso que até o momento que inicio esta pesquisa, não bebi deste néctar, não provei de seu sabor e nem senti de seus milagres. Porém irresistivelmente começo a verbalizar sobre seus efeitos, descobrindo que estes vão muito mais além que seu próprio sabor ou de sua sensação estimulante. Seu poder de embriaguez atinge a toda uma época, uma sociedade, mudando costumes, valores, pensamentos e alterando definitivamente o curso da história de uma cidade que outrora trazia junto a seu leito de rio a vivacidade dos grandes centros comerciais.
Transcrevo sobre São João da Barra, nome que dá origem ao mesmo conhaque e que trás à luz toda uma história de beleza, poder econômico e prestígio político que vem desde os tempos do segundo império brasileiro. Terra de barões, fidalgos e de escravos. Tempos de piratas, navios negreiros e de amores comprados importados da velha França. Tempos que se falavam no porto, no cais do Imperador, quatro línguas estrangeiras, onde o mercado de escravos e especiarias se desenvolviam a céu aberto sentindo a brisa que sopra do velho Paraíba do Sul. Faço esta rápida retrospectiva a fim de poder ilustras com pelo menos um mínimo de fidelidade sobre esta terra que deitou em berço esplêndido esta poderosa bebida tempos mais tarde.
Sua rica a fascinante história poderá sem dúvida gerar novas e frutíferas pesquisas, porém devo me atar ao foco desta. Traçar parâmetros, buscar coincidências, desvendar seus mitos, decifrar seus símbolos e registrar seus ‘causos’. Das crendices populares, o folclore ligado à sua história-verdade, reunindo relatos, lapidando entrevistas, como de fato se lapida a pedra preciosa bruta e lhe favorece a beleza das jóias mais cobiçadas.
Ouvir de seus donatários a história deixada por seus antepassados, compreender seu ritual que condiciona o segredo da fórmula de geração em geração. Porém, ir além ouvir daqueles que tocaram na jóia, que participaram da história, que beberam no ‘buteco da esquina’ da dose desta bebida. Uma bebida cujo poder de sedução embarcou para outros portos, outros lugares e desde muito apreciada em todo a Brasil, são muitos que nos correm a contar ser “donos” da veracidade dos fatos que envolvem seu segredo.
Todos prontos a oferecer um “causo”, uma anedota, um contação de história que mais nos parece vinda de livros e lendas do que da razão e do registro real. Sabemos que a bebida completará seu primeiro século de existência nos meados do ano de 2005, com muita festa, fogos e bebida! Comemorar seus milagres, sua história, seus ‘causos “, sua gente.
Talvez seja tudo isso que me deslumbrou ao começar esta pesquisa. Talvez esteja eu também embriagado com seu poder de sedução. Talvez ainda antes de concluir esta, entrarei em um daqueles ‘butecos’, baterei com força no balcão e pedirei uma dose do Conhaque Alcatrão de São João da Barra, não jogarei uma ‘pro santo’ pois acredito que toda a bebida já este consagrada a ele e talvez ainda seja uma covardia o desperdício de preciosa e milagrosa bebida.
São João da Barra – Pólo do comércio de especiarias ainda nos tempos do segundo império, São João da Barra era agraciada com um leito de rio e uma entrada privilegiada para as grandes embarcações vinda de além mar. Todas as espécies de produtos entravam para região pelo porto desta cidade. Aqui ficavam porcelanas, tecidos, escravos e toda a espécie de novidade daquele tempo.
No livro intitulado “Apontamentos para a História de São João da Barra”, João Oscar, seu autor já escrevia:
“ (...) considerei como a fase áurea de S. João da Barra o período que vai de 1880 a 1890, ou seja, o período em que, graças às benesses da navegação fluvial e marítima, a cidade viveu sua época de fortuna refletida no sistema portuário, nas iniciativas mercantis e empresariais, e nas atividades sociais e literárias.”
Nesta referência o autor nos leva aos sinais de todo um progresso que se instalava na cidade, porém deixando claro o movimento que traduz do seu apogeu ao declínio sócio – econômico que estava por vir.
Porém ainda nos cabe passear pelas ruas estreitas desta cidade hoje penas revividas nos pensamentos dos cidadãos que jovens brincavam entre os carros de boi, o mercado público, a praça da igreja e a frente na cadeia pública. A riqueza da cidade se misturava tristes imagens da escravidão humana, o solar que hoje abriga a casa da justiça sanjoanense fora, no passado, residência oficial de comerciantes de escravos, detalhe encontrado na arquitetura, pois na época somente era permitida a construção de prédios com apenas dois andares e vemos até hoje em uma de suas laterais a edificação de um andar, por onde os serviçais do fatídico comerciante ficavam à espreita observando, com velhas lunetas, a aproximação dos navios e quando estes já podiam ser avistados, eram ordenados que fossem mato a dentro, até beira da praia lançar-se ao mar com pequenas embarcações, a fim de que fossem trazidos à terra firme inúmeras almas desprovidas de sua liberdade.
Daí eram levados para outros centros, abastecendo as cidades de Campos, Macaé, Cabo Frio e a tantas outras. Nesta época tanto São João da Barra como Campos estavam ligadas às capitanias de Cabo Frio, todo o poder jurisdicional cabia a esta última cidade. São João da Barra se comunicava em vários dialetos, eram franceses, ingleses, português entre outros que aportavam em terras brasileiras exatamente pelo seu porto, traduzindo nesta ainda mais sua importância, talvez até a causa das várias visitas que o imperador D. Pedro II fizera a estas terras, pois amigo pessoal do Barão de Barcelos, veio inclusive inaugurar sua usina de açúcar (mais isto também é outra história).
Como já relatava João Oscar em sua obra, todo o desenvolvimento sócio, político, econômico e cultural de São João da Barra estaria diretamente relacionada à dinâmica da navegação daqueles tempos.
Dos Lobatos aos Aquinos - Segundo entrevista com o senhor Antenor Lobato de Oliveira, 93 anos, era de costume nas famílias de época, a força depositada sobre os sobrenomes faziam parte da construção social sanjoanense, como também se via em toda boa família da sociedade brasileira a importância e toda a reverência dada a estes que mais pareciam títulos do que segundos nomes. E não fora diferente em terras de São João da Barra, onde, na atualidade, o sobrenome “Aquino” vem representando uma verdadeira saga recheada de aventuras, trabalho, lutas, contos, encontros e desencontros.
Ouvimos durante as entrevistas, nas quais toda a pesquisa se baseia, personagens ilustres, e outros não tão ilustres, mas que trazem em suas memórias fatos ocorridos que iniciaram as transformações que culminaram na perpetuação da organização que hoje ultrapassa os limites da Federação e que imortaliza a sobrenome Aquino.
Neste momento surgem as diferenças nos contos e nas histórias contadas. Às vezes com muita reserva, outras não querendo trazer à tona velhas inquietações. Porém a função do pesquisador, segundo assinala Paul Veyne (“Como se Escreve a Histi não será de julgar, nem tendência aos fatos relatados, cabe-nos o registro no mais fiel de suas anotações.
Ao entrevistar o senhor Antenor Lobato de Oliveira, de 93 anos, filho Jorge Lobato, irmão de Dona Julha Aquino (que era na sua solteirisse Julha Lobato) e fora à matriarca dos Aquinos, Seu Lobato, como é conhecido nos contou um pouco desta história, de uma história que dá início a tantos outros que envolveram e envolvem até os dias de hoje a atmosfera das fantasias em torno do próprio Conhaque de Alcatrão de São João da Barra.
Ele nos disse: “Sou primo em 1º grau de Hugo” – referindo-se ao Dr. Hugo Aquino, “mas sou Lobato, como já foi a sua mãe, Tia Julha” – com uma memória e lucidez de causar inveja, seu Lobato nos contou que era filho de Jorge Lobato, irmão de Dona Maria Julha de Aquino, matriarca dos Aquino, que em solteira assinava como Maria Julha Lobato, porém por conta de desavenças entre o velho Joaquim Thomaz de Aquino Filho e seu pai (pai de D. Julha), que não permitia a união do jovem casal fez com que ela deixasse a casa do pai e casasse com o jovem Joaquim Thomaz de Aquino Filho. Este filho do Major Joaquim Thomaz de Aquino (nascido em 16/01/1854 no Rio de Janeiro, falecido em 1918 em São João da Barra) e Dona Carolina Sá de Aquino. Joaquim Thomaz de Aquino Filho nascera em 05 de julho de 1882, em São João da Barra.
Mas voltemos ao seu Lobato. Este continuou a nos contar que este fato, que muito desagradou ao pai de D. Maria Julha, fez com que os laços familiares se rompessem definitivamente, levando D. Julha a abandonar até mesmo seu sobrenome de solteira (Lobato), passando somente a assinar Aquino, fato verificado quando do registro de todos os seus 25 filhos, que também só passariam a ter registrado com o sobrenome Aquino.
Em alguns instantes seu Lobato deixa transparecer certa melancolia na fala, um pouco de tristeza ao fazer tais relatos, porém gosta de frisar seu apreço pelo primo Aquino. Neste mesmo momento pede para me fazer um novo relato, mesmo sabendo que não seria este focado sobre o assunto principal, atendo a história que frisa ser ele a única testemunha viva a conhecer e ter participado do fato ocorrido. Ele nos conta que: “ Você sabia que São João da Barra conheceu um avião primeiro que um carro? E continua: Pois foi e isso aconteceu!Por volta de 1917, era final da primeira grande guerra mundial, uma pequena aeronave de instrução, teve problemas mecânicos e acabou caindo próximo a barra, tinha apenas dois lugares, um para o major – instrutor e outro para seu aluno, um dos moradores da cidade ajudou ao oficial, levando uma corda envolta a cintura, que foi amarrado a aeronave e trazida até o porto de São João da Barra, eu era criança, quando vi e acompanhei ao oficial enquanto ele consertava o avião a fim de voltar aos céus, mas enquanto isso não acontecia, eu e meus companheiros brincávamos com a inusitado aparelho...” - e seu olhos voltaram a ser criança, parecia que estava vendo a aeronave enquanto nos contava a sua história.
O Conhaque, o segredo - Na história dita oficial, nos conta o atual gerente geral e procurador do Grupo Thoquino o senhor Dr. Hélio Delbons, que o Patriarca do grupo, o senhor Joaquim Thomaz de Aquino Filho, teria recebido de um ilustre lusitano a fórmula de uma rica bebida a base de extrato vegetal de muita valia e de excelente paladar, esta bebida, o Conhaque da Noruega. Ao receber tratou de produzir as primeiras garrafadas que foram vendidas e consumidas pela região.
Com o sucesso da fórmula e o aumento das encomendas fez com que fosse o então pequeno industrial comprasse de uma só vez uma grande remessa de matéria prima vinda da Europa, nada mais nada menos que um navio, que trazia como carga apenas o alcatrão, princípio ativo da fórmula. Dr. Hélio nos conta que desta encomenda guardam ainda um velho barril, tratada como uma relíquia.
Mas a crendice popular tratou logo de reinventar a história, dando nos contornos e romanciando, transformando nos famosos “causos”. Um destes ouvi pelas ruas da própria cidade, que dizia... “Conta a história, que estava preso na antiga cadeia de São João da Barra (prédio este que está a duras penas ainda entre nós), que fica em frente a igreja matriz, tinha suas celas, com janelas, com espessas grades voltadas para rua, motivo pelo qual as sinhorinhas não passavam em frente desta para ir a missa, dando uma volta maior, porém uma destas devotas, que não se incomodava com o fato, passava sempre próximo a referida cadeia e em uma destas passadas fora interpelada por um prisioneiro, um pirata, que lhe pedia ajuda para combater uma enfermidade. Teria este lhe dado por escrito uma mistura que o ajudaria a recuperar a saúde. Este recebeu a incumbência de produzir tal bebida milagrosa. O pirata ficou bom e ela perguntou se não poderia fazer mais da bebida a fim de ajudar a outras pessoas, porém a mesma história não consegue relatar como a mesma formula teria chagado as mãos do Joaquim Thomaz de Aquino Filho (este me parece mais um ‘causo”!).
O Café Central – De acordo com o escritor (ele gosta de ser chamado de escrevidor) Célio Aquino, em seu livro “Minhas Histórias de São João da Barra” (ed. Cultura Goitacá – 1997) tudo parece ter começado com o Café Central, um estabelecimento comercial fundado pelo senhor Joaquim Thomaz de Aquino Filho e sua esposa D. Maria Julha de Aquino. Neste café, que funcionava na Rua Dr. Mota Ferraz nº 34, atendia na parte de frente do comércio, com a venda de caldo de cana, bebidas finas, doces, café e de outras variedades, lembrando que muitas das vezes a própria D. Julha se encarregava da moenda de caldo de cana e pela falta de luz elétrica, tinha em dois de seus filhos a ajuda necessária para o funcionamento da máquina. Nos fundos da loja, a fábrica já iniciava seus primeiros passos, isso ainda nos primeiros anos da primeira década aquele século.
O jornal “A Palavra” de 20/01/1909 noticiava: “Café Central. – Inaugurou-se no domingo último, nesta cidade, à rua das Flores, o restaurante do nosso amigo, senhor capitão Joaquim Thomaz de Aquino Filho. No gênero, é um estabelecimento decente e luxuoso, proporcionando ameno trato a todos que freqüentam, pois ele é provido de bebidas finas, doces, café, chocolate, etc. Fazemos votos para o novo restaurante encontre o mais feliz acolhimento por parte de nossa população”. Neste período já se registrava o aparecimento da bebida, que passaria a carro chefe dos Aquinos.
Verificamos que há algumas discordâncias sobre o período de surgimento do Conhaque da Alcatrão, pois alguns insistem que este começara ainda em 1905, mas o autor do livro “Introdução à História Literária de São João da Barra” João Oscar – edição Mini Gráfica Ltda – 1972 nos afirma que o período e ano seria 1910, quando este relata em seu livro o seguinte; “...Inaugurou o Café Central em 1909, um ano depois era estampada em outro jornal sanjoanense uma notícia interessante , onde se verifica que, já naquela época, Joaquim Thomaz começava a produzir o conhaque de alcatrão, símbolo de sua fama e de sua pujança. Diz a histórica notícia: ‘COCNAC DE ALCATRAÃO. Do nosso distinto amigo senhor capitão Joaquim Thomaz de Aquino Filho, estimado negociante e fabricante de bebidas nesta praça (grifo do autor), recebeu o nosso diretor um litro do cognac de alcatrão, de sua fabricação. Esta bebida, além de ter um gosto agradável, tem verdadeiras propriedades medicinais, sendo um poderoso remédio para constipações, tosse, etc’. – jornal Diário da Manhã – 15/03/1910.
Curiosamente a bebida teve seu início relacionada com a “farmaciologia popular”, muitos foram aqueles que relacionaram – na com as porções curandeiras da época, para qualquer mau presságio, o conhaque era a solução. Da dor de barriga à gripe, da tosse para fraqueza, todos tinham uma receita, cujo ingrediente principal era o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra.
O dileto autor continuava com sua análise de defesa transcrevendo assim: “Pela maneira como o articulista do ‘Diário da Manhã’ situava a notícia, podemos observar que o conhaque era a grande novidade surgida naquela época, o que nos leva a afirmar, com absoluta convicção, que Joaquim Thomaz Filho começou a fabrica-lo em fins de 1909 ou princípio de 1910.” - a contação que temos notícia (como verídica) é que já nos tempos de 1905 a fabricação da bebida existia. No entanto o mesmo autor João Oscar nos relata no na mesma obra sobre a troca de nome que sofria o Café Central: “Dias depois dessa notícia (referindo-se a questão da data de origem do conhaque) seria publicado no mesmo ‘Diário da Manhã’ um curioso anúncio, onde não mais se fala em Café Central, já se fala em outro estabelecimento – a Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas”!
Ainda sobre sua narrativa temos:
“Diz esse anúncio: 300 REIS – Joaquim Thomaz de Aquino Filho, proprietário da Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas, compra qualquer quantia de garrafinhas brancas, próprias para licores finos, e paga 300 Reis a cada uma”. – assim saia de cena o antigo Café Central, para dar lugar à empresa que representaria num futuro não muito distante a salvação econômica da cidade, visto que o declínio da navegação estava por chegar.
Os palhões – Quando a fábrica já representava a força da economia local, a produção cada vez maior, os pedidos, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra ganhava todo o país e até mesmo outras nações, caberia a Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas a organização desta produção antes mais artesanal. A preocupação com a embalagem e a segurança no transporte do milagroso produto pedia inovações. Surgem os palhões. Quem nos relata esta parte da história é o senhor Célio Aquino, primo de Hugo Aquino (atual presidente do Grupo Aquino): “Todo o vasilhame era embalado em palhões. Por isso a Fábrica de Conhaque, como era mais conhecida na cidade, a empresa de seu Joaquim Thomaz, também empregava, embora de forma indireta, grande parte da população pobre sanjoanense. Era difícil encontrar – se uma casa em São João da Barra sem um tear, pelo menos para a confecção dessa embalagem já em desuso...”
Em muitos dos relatos e até mesmo na literatura local, havia um compreenção de que se não fosse a ascenção da fábrica de conhaque exatamente no momento em que a economia portuária já não mais representava o seu vigor, São João da Barra estaria em um verdadeiro caos social. Vivendo apenas a sombra de seu passado.
Neste momento a produção desses palhões foram de maneira providencial para a manutenção de recursos para os menos favorecidos entre os da sociedade sanjoenense. Passaria a ser corriqueiro encontrar famílias inteiras, crianças, jovens, homens e mulheres indo às tabuas, como se ia na busca da lenha para os fogões. Buscar palha para os seus palhões representava algum dinheiro e conseqüentemente alimento em suas mesas.
Célio Aquino, com sua maneira livre, poética e com um certo grau de desabafo social diz: “...E assim o pobre ia vivendo honestamente, num lugar de poucos recursos... porque todos trabalhavam. Sei que seria um retrocesso voltar-se aos teares e aos cambitos do nosso passado já um tanto distante. Mas o governo podia arranjar hoje um meio qualquer do pobre ganhar a vida, evitando desta forma, que continue fazendo sopa de jornal picado para enganar a fome... Mesmo que do tipo palhão”. João Oscar também referia-se ao fato transcrevendo desta maneira: “...Não fora o empreendimento nascido do arrojo de Joaquim Thomaz, outro teria sido o impacto da crise econômica que ocorreu na cidade com o declínio do porto...” o mesmo autor cita um outro cronista sanjoananse Reynaldo Mello que escrevia no jornal “O Sanjoanense” , em setembro de 1972 o seguinte: “No estado de letargia em que caiu a cidade, a fábrica de Joaquim Thomaz era como seu próprio coração, promovendo a sístole e a diástole de um organismo que não podia e não pode morrer. Até hoje (set/172), é na fábrica da Praça São João ou nas demais seções, que muitos dos conterrâneos com suas famílias encontram o meio de sua subsistência”. Mas ainda sobre o palhão, este deveriam ser confeccionados na medida das garrafas, que após receberam seu rótulos eram embalados por vez, colados em caixas de madeira para dar idéia de maior segurança, mesmo assim tal procedimento não garantia cem por cento do intuito, pois nunca deixou de acontecer de uma ou outra garrafa se quebrar e lambuzar todo o restante, porém isso não importava, pois na verdade continuava a gerar trabalho.
“Cognac de Alcatrão da Noruega” – A bebida antes de ser conhecida como a conhecemos, tinha na verdade outro nome, era chamada de Congnac de Alcatrão da Noruega, como se lia no jornal campista “A Notícia” de 24 de julho de 1919 o seguinte anúncio: “Cognac de Alcatrão da Noruega – Remédio infalível para constipação e resfriados. Formulado pelo distinto clínico Dr. Eduardo Monteiro de Carvalho e fabricado por Joaquim Thomaz de Aquino Filho, de São João da Barra, Estado de Rio de Janeiro.”
Também o jornal “O Lutador” em sua edição de 20 de março de 1919 publicava: “Cognac de Alcatrão – Remédio infalível para a cura de constipações e resfriados. Preparado especial do fabricante Joaquim Thomaz de Aquino Filho., Encontra-se à venda nas principais casas de negócios desta cidade. Depósito e Fábrica – Rua Dr. Motta Ferraz, nº 34”. – Nestes dois anúncios que copilamos da obra do professor João Oscar, observamos que ambas se referem a bebida como remédio e não como bebida alcoólica.
Tornando-se costumeiro encontrar pessoas da população “receitando” para diversos de males o conhaque como remédio. Ao passar do tempo a bebida passou a ser chamada de Conhaque de Alcatrão de São João da Barra. De certo não só esta bebida era utilizada como remédio, nas anotações de Célio Aquino em seu livro “Minhas Histórias de São João da Barra” ele escreve relatando o quanto era costumeiro tais ‘receitas’ – “...Quinado Thoquino – para anemia. Era ainda tomado pelas parturientes no lugar da água inglesa – muito usado na época, - daí não ser de admirar o abuso de algumas de3las ao tomarem tremendos porres, já que, como medicamento, esse vinho a base de quina jamais poderia ser tomado qual delicioso aperitivo, e sim como remédio mesmo, respeitando-se a ‘bula’.
O tempo de ‘quarentena’ era sempre bastante longo naquela época, daí o inevitável... essas ‘pinguças’ mal paridas, e nem bem saídas da cama, verificavam estar novamente aguardando a visita da cegonha. Por isso lá estavam as coitadas, de barriga, ainda bem não descansavam da última esfrega...”
Dona Sissi ( senhora Josília Silva) 82 anos, aposentada como fiscal de receita federal em entrevista nos falava, que na mocidade tomava dos vinhos de jenipapo, de laranja, mas o que gostava mesmo era do Quinado Thoquino, do Thoquinol e do Fernet Thoquino. Ao falar seus olhos brilhavam como e uma menina as vésperas do carnaval. Acabando por me confidências que é animada torcedora do bloco carnavalesco do Chinês, um dos blocos tradicionais da cidade e que nos seus 82 anos continua a brincar o carnaval como sempre o fez, porém não mais com estas bebidas que apenas trás em sua memória.
Conhaque de Alcatrão de São João da Barra – Seus efeitos medicinais foram logo difundidos entre os da população, muitos que vinham em busca da bebida a fim de curar seus resfriados, tomando-o com leite quente e mel de abelha.
Por se tratar de uma bebida quente, que ajudava nas noites frias sanjoanense e conseqüentemente animando as longas conversas a beira dos fogareiros, diziam até que a bebida animava os homens e os deixavam mais dispostos.
Em minha pesquisa de campo pude observar que entre as senoras de mais 80 anos que entrevistamos, que enquanto se fala da bebida como remédio para resfriados e constipações, tudo corria muito bem, ao entrar na questão sobre os benefícios para a potencialidade sexual dos homens estas senhoras tratavam logo de mudar o rumo da conversa, porém observamos que no olhar entre uma fala e outra o assunto era de conhecimento de todas. Em volto a um grande tabu, o assunto era trato pelo menos entre as senhoras com reservas.
Porém quando da entrevista com o velho senhor Lobato, este muito bem humorado nos dizia: “Meu filho, se esta bebida deixasse o homem todo de pé, você acha que não estaria tomando barris dele? (e riu) “Isso tudo não passou de uma grande brincadeira e logo associaram a idéia. A verdade é que da idade ninguém escapa.”(riu novamente). Seu Célio Aquino, atribui a uma grande jogada de marketing, associando a bebida, quando do lançamento do slang Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, o Conhaque do Milagre!”
Durante minha pesquisa de campo acabei por conhecer o senhor Marilton Pinheiro, ilustre advogado, ex-vereador e diversas vezes secretário da municipalidade sanjoanense e contador de histórias muito bem humoradas que nos contou esta: “Dizem que certa vez um casal da cidade, casado a mais de 30 anos, não conseguiam ter um rebento, o esposo desolado certa noite resolvera por tomar um porre daqueles e acabou de secar uma garrafa inteira do Conhaque de Alcatrão de São da Barra, a seguir tomou o rumo de casa e quando lá já havia chegado, precipitou-se em uma refrega amorosa com a distinta patroa, que para sua surpresa ao final de 30 dias ficou sabendo que estava por esperar a chagada da cegonha. Podem falar o que quiserem, mas que a danada da bebida é boa isso ela é. Mas acredite eu mesmo nunca provei dela, o que sei ouvir alguém falar.”
Comecei a perceber que todas as vezes que fala sobre o tema título de minha pesquisa científica era sobre o velho conhaque, muitos foram aqueles que tinham uma versão que juravam ser verdadeiras sobre a origem do o seu slong “o conhaque do milagre1” – um destes meus amigos, Herbson Freitas, jornalista e presidente da Associação de Impressa Campista me contou esta: “Teriam três radialistas da antiga rádio Carioca do Rio de Janeiro embarcado para a cidade do México, isso no ano 50, para narrarem uma partida de futebol. Quando voltaram ao Brasil, um destes profissionais da comunicação teria trazido em sua bagagem uma quantia considerável de litros de tequila, bebida tradicional mexicana, ao chegar ao aeroporto, o fiscal alfandegário teria o interpelado e solicitado a vistoria de sua bagagem, muito nervoso abriu as malas e para a surpresa do agente da alfândega o que estava lá era litros de bebida. Este exclamou em voz firme: Mas isso é bebida alcoólica meu senhor! E num rápido discurso o repórter respoudeu que não se tratava de bebida mas sim água benta trazida da gruta de Nossa Senhora de Guadalupe, para sua velha mãezinha que se encontrava enferma. Certo da história o agente logo os liberou, porém ao dar alguns passos uma das garrafas foi ao chão, quebrou-se e um cheiro insuportável de tequila pairou no ar. E o fiscal gritou novamente: Isso é realmente bebida! O reporte muito desconcertado jogou-se no chão e exclamou: MILAGRE!!! ISSO É UM MILAGRE! Após risos e acertos com o agente alfandegário partiram sem maiores problemas.
Eu perguntei aonde entrava o conhaque nesta história. Ele logo me respondeu que fora desta passagem parodiana que os responsáveis pelo marketing do Conhaque no Rio se utilizaram para criar o slong.
Ao entrevistar ao Gerente Geral o Dr. Hélio Delbons, sobre qual a participação do conhaque no mercado hoje, se ainda é o carro chefe da industria que a quase cem anos fora fundada pelo sr. Capitação Joaquim Thomaz de Aquino Filho e sua afirmação fora rápida e direta: “ Apesar dos diversos produtos que a o grupo oferece tanto ao mercado brasileiro quanto do exterior, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra continua na linha de frente entre seus produtos.
Detalhes sobre a história do conhaque ele nos conta por exemplo que o próprio nome da bebida já gerou problemas até de ordem diplomática, pois a palavra conhaque, refere-se a uma cidade do interior da França e por esta razão o governo frances não queria que fosse utilizado a palavra conhaque junto a uma bebida que não teria origem de suas fronteiras. O departamento jurídico da empresa entrou com mandato de segurança, provando que a mais de 80 anos o nome já era utilizado e não haveria como ser diferente. A peleja continua.
Perguntei – o sobre o segredo da fórmula (ele sorriu). Sim este segredo é tão fechado quanto a da Coca – Cala, ainda me contou uma rápida história, mais ressente, quando um certo fiscal federal ao vir a industria para cumprir com uma fiscalização, exigiu que o então Dr. Hugo Aquino lhe disse os ingredientes que compunham a fórmula do conhaque e o Dr. Hugo respondeu que nem se o levasse preso lhe poderia revelar tal segredo. De certo hoje o Dr. Hugo Aquino Filho, Eu seu gerente geral e mais um ou dois funcionários tem conhecimento sobre a fórmula e seu segredo e com certeza estaremos passando para a quarta geração que já se encontra atuando como assessor direto da presidência.
De certo muitas outras histórias continuam povoando os pensamentos dos que desta bebida tiveram conhecimento. Histórias, contos, lendas, folclore ou crendice popular, não importa. O importante é que sua vitalidade ainda está presente. Em 2005, data em que o Grupo Thoquino marcou oficialmente com ano de seu centenário, sabemos que uma grande festa nos espera. Muitos fogos, muita música, muitas histórias, muitos porres e sem dúvidas muitas cegonhas prontas para novas e frutíferas visitas.
Metodologia: Foco desta pesquisa, o levantamento histórico e o resgate desta memória, hoje praticamente apenas na oralidade da população, força ao pesquisador quase que uma investigação digna dos contos londrinos. A visita a antigos moradores da cidade de São João da Barra, parentes dos fundadores da Industria de Bebidas Joaquim Thomas de Aquino Filho – Grupo Thoquino, seus antigos funcionários, a muitos antigos que ainda estão atuando junto a empresa foram fundamentais, não para a conclusão final deste trabalho, mas o início de uma grande pesquisa que começamos e que sabemos que muito ainda temos que buscar destas histórias.
Primeiro passo o registro por meio de gravadores, máquinas fotográficas e filmadoras, criando um acervo com informações detalhadas sobre a historicidade da bebida.
A visita a antigas agências de propaganda e a emissoras de rádios e televisão, a fim de buscar a reprodução fonográfica e de imagem destes acervos para conservação e formar um catálogo.
Com todos estes dados levantados e copilados, a elaboração do projeto “Acervo – 100 Anos do Conhaque de Alcatrão de São João da Barra”, cujo objetivo estar em produzir um vídeo institucional, uma exposição fotográfica itinerante e o lançamento do livro “Conhaque de São João da Barra – O Conhaque do Milagre!”
Conclusão: Muitas são as histórias que estão relacionadas ao Conhaque de Alcatrão de São João da Barra. Algumas com mais veracidades que as outras. No entanto o que mais nos chamam a atenção são exatamente os contrapontos que estas histórias nos oferecem. Registrar o que hoje só encontramos no meio das pessoas mais antigas da cidade, bem como das narrações oferecidas pelos órgãos oficiais da empresa acabam por alimentar ainda mais o folclore em torno do assunto.
Temos hoje certeza absoluta do papel importante que a O Café Central, A Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas, o Cognac de Alcatrão da Noruega, passando assim por muitas outras bebidas e chegando por fim ao nosso Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, foram decisivos na manutenção de divisas para aquele município e até mesmo nas transformações sociais, de costumes e de comportamentos de toda uma época, tanto para a cidade de São João da Barra, quanto para todo o Brasil.
Já a décadas a bebida é reconhecida em todo o território nacional, não há um ‘buteco’ no mais longincuo sertão nordestino ou nas serras gaúchas que não tenham ouvido falar e até mesmo experimentado deste sabor.
Nossa pesquisa quer e vai continuar a levantar velhas e novas histórias, verdades ou inverdades que cotidianamente estão presente principalmente entre os que vivem na cidade do alcatrão.
Registrar sua memória, resgatar seu folclore e contar suas crenças.
E beber de seu conhaque.
Pesquisas Biográficas:
- Aquino, Célio – “Minhas Histórias de São João da Barra” – Ed. Cultura Goitacá – 1997.
- Oscar, João – “Introdução à História Literária de São João da Barra” – Ed. Mini Gráfica Ltda – 1972 e “Apontamentos para a História de São João da Barra” -
Andressa Alcoforado
Carolina Benevides Calheiros
Orientação: Professor Ms Orávio de Campos Soares
Palavras chaves: Crença Popular, Folclore, Memória
Resumo: Ao quase contemplar um século no mercado brasileiro de bebidas, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, produzido no município do mesmo nome situado junto à foz do rio Paraíba do Sul, no norte fluminense está envolvido com uma série de curas miraculosas e há histórias fantásticas, ainda no domínio da oralidade, dando conta de seus efeitos também afrodisíacos. A pesquisa tem por objetivo concentrar todas as crendices populares transformando-as em registro histórico, desde o folclore da criação da fórmula do conhaque, guardada a sete chaves pelos proprietários da empresa “Thoquino”, até os dias atuais, enfatizando o fato de os efeitos dos milagres estarem, apesar dos anos, vivos no consciente coletivo, fazendo com que o produto, apesar da empresa possuir outras alternativas, continue liderando os índices de vendas.
Introdução Temática: Na verdade um presente, sim um presente que acabei por ganhar de meu coordenador do Curso de Comunicação da Faculdade de Filosofia de Campos – FAFIC. A princípio não entendi, nem tinha noção sobre o que falar, onde começar a pesquisar e muito menos me expressar sobre algo que ainda nem havia experimentado. O Conhaque de Alcatrão da São João da Barra, “O Conhaque do Milagre”. Mas de que milagre estamos falando? Que magia será esta que envolve esta bebida, tida por muitos por afrodisíaca e para tantos outros tidos apenas por uma bebida muito especial. De que curas miraculosas estamos nos referindo?
Confesso que até o momento que inicio esta pesquisa, não bebi deste néctar, não provei de seu sabor e nem senti de seus milagres. Porém irresistivelmente começo a verbalizar sobre seus efeitos, descobrindo que estes vão muito mais além que seu próprio sabor ou de sua sensação estimulante. Seu poder de embriaguez atinge a toda uma época, uma sociedade, mudando costumes, valores, pensamentos e alterando definitivamente o curso da história de uma cidade que outrora trazia junto a seu leito de rio a vivacidade dos grandes centros comerciais.
Transcrevo sobre São João da Barra, nome que dá origem ao mesmo conhaque e que trás à luz toda uma história de beleza, poder econômico e prestígio político que vem desde os tempos do segundo império brasileiro. Terra de barões, fidalgos e de escravos. Tempos de piratas, navios negreiros e de amores comprados importados da velha França. Tempos que se falavam no porto, no cais do Imperador, quatro línguas estrangeiras, onde o mercado de escravos e especiarias se desenvolviam a céu aberto sentindo a brisa que sopra do velho Paraíba do Sul. Faço esta rápida retrospectiva a fim de poder ilustras com pelo menos um mínimo de fidelidade sobre esta terra que deitou em berço esplêndido esta poderosa bebida tempos mais tarde.
Sua rica a fascinante história poderá sem dúvida gerar novas e frutíferas pesquisas, porém devo me atar ao foco desta. Traçar parâmetros, buscar coincidências, desvendar seus mitos, decifrar seus símbolos e registrar seus ‘causos’. Das crendices populares, o folclore ligado à sua história-verdade, reunindo relatos, lapidando entrevistas, como de fato se lapida a pedra preciosa bruta e lhe favorece a beleza das jóias mais cobiçadas.
Ouvir de seus donatários a história deixada por seus antepassados, compreender seu ritual que condiciona o segredo da fórmula de geração em geração. Porém, ir além ouvir daqueles que tocaram na jóia, que participaram da história, que beberam no ‘buteco da esquina’ da dose desta bebida. Uma bebida cujo poder de sedução embarcou para outros portos, outros lugares e desde muito apreciada em todo a Brasil, são muitos que nos correm a contar ser “donos” da veracidade dos fatos que envolvem seu segredo.
Todos prontos a oferecer um “causo”, uma anedota, um contação de história que mais nos parece vinda de livros e lendas do que da razão e do registro real. Sabemos que a bebida completará seu primeiro século de existência nos meados do ano de 2005, com muita festa, fogos e bebida! Comemorar seus milagres, sua história, seus ‘causos “, sua gente.
Talvez seja tudo isso que me deslumbrou ao começar esta pesquisa. Talvez esteja eu também embriagado com seu poder de sedução. Talvez ainda antes de concluir esta, entrarei em um daqueles ‘butecos’, baterei com força no balcão e pedirei uma dose do Conhaque Alcatrão de São João da Barra, não jogarei uma ‘pro santo’ pois acredito que toda a bebida já este consagrada a ele e talvez ainda seja uma covardia o desperdício de preciosa e milagrosa bebida.
São João da Barra – Pólo do comércio de especiarias ainda nos tempos do segundo império, São João da Barra era agraciada com um leito de rio e uma entrada privilegiada para as grandes embarcações vinda de além mar. Todas as espécies de produtos entravam para região pelo porto desta cidade. Aqui ficavam porcelanas, tecidos, escravos e toda a espécie de novidade daquele tempo.
No livro intitulado “Apontamentos para a História de São João da Barra”, João Oscar, seu autor já escrevia:
“ (...) considerei como a fase áurea de S. João da Barra o período que vai de 1880 a 1890, ou seja, o período em que, graças às benesses da navegação fluvial e marítima, a cidade viveu sua época de fortuna refletida no sistema portuário, nas iniciativas mercantis e empresariais, e nas atividades sociais e literárias.”
Nesta referência o autor nos leva aos sinais de todo um progresso que se instalava na cidade, porém deixando claro o movimento que traduz do seu apogeu ao declínio sócio – econômico que estava por vir.
Porém ainda nos cabe passear pelas ruas estreitas desta cidade hoje penas revividas nos pensamentos dos cidadãos que jovens brincavam entre os carros de boi, o mercado público, a praça da igreja e a frente na cadeia pública. A riqueza da cidade se misturava tristes imagens da escravidão humana, o solar que hoje abriga a casa da justiça sanjoanense fora, no passado, residência oficial de comerciantes de escravos, detalhe encontrado na arquitetura, pois na época somente era permitida a construção de prédios com apenas dois andares e vemos até hoje em uma de suas laterais a edificação de um andar, por onde os serviçais do fatídico comerciante ficavam à espreita observando, com velhas lunetas, a aproximação dos navios e quando estes já podiam ser avistados, eram ordenados que fossem mato a dentro, até beira da praia lançar-se ao mar com pequenas embarcações, a fim de que fossem trazidos à terra firme inúmeras almas desprovidas de sua liberdade.
Daí eram levados para outros centros, abastecendo as cidades de Campos, Macaé, Cabo Frio e a tantas outras. Nesta época tanto São João da Barra como Campos estavam ligadas às capitanias de Cabo Frio, todo o poder jurisdicional cabia a esta última cidade. São João da Barra se comunicava em vários dialetos, eram franceses, ingleses, português entre outros que aportavam em terras brasileiras exatamente pelo seu porto, traduzindo nesta ainda mais sua importância, talvez até a causa das várias visitas que o imperador D. Pedro II fizera a estas terras, pois amigo pessoal do Barão de Barcelos, veio inclusive inaugurar sua usina de açúcar (mais isto também é outra história).
Como já relatava João Oscar em sua obra, todo o desenvolvimento sócio, político, econômico e cultural de São João da Barra estaria diretamente relacionada à dinâmica da navegação daqueles tempos.
Dos Lobatos aos Aquinos - Segundo entrevista com o senhor Antenor Lobato de Oliveira, 93 anos, era de costume nas famílias de época, a força depositada sobre os sobrenomes faziam parte da construção social sanjoanense, como também se via em toda boa família da sociedade brasileira a importância e toda a reverência dada a estes que mais pareciam títulos do que segundos nomes. E não fora diferente em terras de São João da Barra, onde, na atualidade, o sobrenome “Aquino” vem representando uma verdadeira saga recheada de aventuras, trabalho, lutas, contos, encontros e desencontros.
Ouvimos durante as entrevistas, nas quais toda a pesquisa se baseia, personagens ilustres, e outros não tão ilustres, mas que trazem em suas memórias fatos ocorridos que iniciaram as transformações que culminaram na perpetuação da organização que hoje ultrapassa os limites da Federação e que imortaliza a sobrenome Aquino.
Neste momento surgem as diferenças nos contos e nas histórias contadas. Às vezes com muita reserva, outras não querendo trazer à tona velhas inquietações. Porém a função do pesquisador, segundo assinala Paul Veyne (“Como se Escreve a Histi não será de julgar, nem tendência aos fatos relatados, cabe-nos o registro no mais fiel de suas anotações.
Ao entrevistar o senhor Antenor Lobato de Oliveira, de 93 anos, filho Jorge Lobato, irmão de Dona Julha Aquino (que era na sua solteirisse Julha Lobato) e fora à matriarca dos Aquinos, Seu Lobato, como é conhecido nos contou um pouco desta história, de uma história que dá início a tantos outros que envolveram e envolvem até os dias de hoje a atmosfera das fantasias em torno do próprio Conhaque de Alcatrão de São João da Barra.
Ele nos disse: “Sou primo em 1º grau de Hugo” – referindo-se ao Dr. Hugo Aquino, “mas sou Lobato, como já foi a sua mãe, Tia Julha” – com uma memória e lucidez de causar inveja, seu Lobato nos contou que era filho de Jorge Lobato, irmão de Dona Maria Julha de Aquino, matriarca dos Aquino, que em solteira assinava como Maria Julha Lobato, porém por conta de desavenças entre o velho Joaquim Thomaz de Aquino Filho e seu pai (pai de D. Julha), que não permitia a união do jovem casal fez com que ela deixasse a casa do pai e casasse com o jovem Joaquim Thomaz de Aquino Filho. Este filho do Major Joaquim Thomaz de Aquino (nascido em 16/01/1854 no Rio de Janeiro, falecido em 1918 em São João da Barra) e Dona Carolina Sá de Aquino. Joaquim Thomaz de Aquino Filho nascera em 05 de julho de 1882, em São João da Barra.
Mas voltemos ao seu Lobato. Este continuou a nos contar que este fato, que muito desagradou ao pai de D. Maria Julha, fez com que os laços familiares se rompessem definitivamente, levando D. Julha a abandonar até mesmo seu sobrenome de solteira (Lobato), passando somente a assinar Aquino, fato verificado quando do registro de todos os seus 25 filhos, que também só passariam a ter registrado com o sobrenome Aquino.
Em alguns instantes seu Lobato deixa transparecer certa melancolia na fala, um pouco de tristeza ao fazer tais relatos, porém gosta de frisar seu apreço pelo primo Aquino. Neste mesmo momento pede para me fazer um novo relato, mesmo sabendo que não seria este focado sobre o assunto principal, atendo a história que frisa ser ele a única testemunha viva a conhecer e ter participado do fato ocorrido. Ele nos conta que: “ Você sabia que São João da Barra conheceu um avião primeiro que um carro? E continua: Pois foi e isso aconteceu!Por volta de 1917, era final da primeira grande guerra mundial, uma pequena aeronave de instrução, teve problemas mecânicos e acabou caindo próximo a barra, tinha apenas dois lugares, um para o major – instrutor e outro para seu aluno, um dos moradores da cidade ajudou ao oficial, levando uma corda envolta a cintura, que foi amarrado a aeronave e trazida até o porto de São João da Barra, eu era criança, quando vi e acompanhei ao oficial enquanto ele consertava o avião a fim de voltar aos céus, mas enquanto isso não acontecia, eu e meus companheiros brincávamos com a inusitado aparelho...” - e seu olhos voltaram a ser criança, parecia que estava vendo a aeronave enquanto nos contava a sua história.
O Conhaque, o segredo - Na história dita oficial, nos conta o atual gerente geral e procurador do Grupo Thoquino o senhor Dr. Hélio Delbons, que o Patriarca do grupo, o senhor Joaquim Thomaz de Aquino Filho, teria recebido de um ilustre lusitano a fórmula de uma rica bebida a base de extrato vegetal de muita valia e de excelente paladar, esta bebida, o Conhaque da Noruega. Ao receber tratou de produzir as primeiras garrafadas que foram vendidas e consumidas pela região.
Com o sucesso da fórmula e o aumento das encomendas fez com que fosse o então pequeno industrial comprasse de uma só vez uma grande remessa de matéria prima vinda da Europa, nada mais nada menos que um navio, que trazia como carga apenas o alcatrão, princípio ativo da fórmula. Dr. Hélio nos conta que desta encomenda guardam ainda um velho barril, tratada como uma relíquia.
Mas a crendice popular tratou logo de reinventar a história, dando nos contornos e romanciando, transformando nos famosos “causos”. Um destes ouvi pelas ruas da própria cidade, que dizia... “Conta a história, que estava preso na antiga cadeia de São João da Barra (prédio este que está a duras penas ainda entre nós), que fica em frente a igreja matriz, tinha suas celas, com janelas, com espessas grades voltadas para rua, motivo pelo qual as sinhorinhas não passavam em frente desta para ir a missa, dando uma volta maior, porém uma destas devotas, que não se incomodava com o fato, passava sempre próximo a referida cadeia e em uma destas passadas fora interpelada por um prisioneiro, um pirata, que lhe pedia ajuda para combater uma enfermidade. Teria este lhe dado por escrito uma mistura que o ajudaria a recuperar a saúde. Este recebeu a incumbência de produzir tal bebida milagrosa. O pirata ficou bom e ela perguntou se não poderia fazer mais da bebida a fim de ajudar a outras pessoas, porém a mesma história não consegue relatar como a mesma formula teria chagado as mãos do Joaquim Thomaz de Aquino Filho (este me parece mais um ‘causo”!).
O Café Central – De acordo com o escritor (ele gosta de ser chamado de escrevidor) Célio Aquino, em seu livro “Minhas Histórias de São João da Barra” (ed. Cultura Goitacá – 1997) tudo parece ter começado com o Café Central, um estabelecimento comercial fundado pelo senhor Joaquim Thomaz de Aquino Filho e sua esposa D. Maria Julha de Aquino. Neste café, que funcionava na Rua Dr. Mota Ferraz nº 34, atendia na parte de frente do comércio, com a venda de caldo de cana, bebidas finas, doces, café e de outras variedades, lembrando que muitas das vezes a própria D. Julha se encarregava da moenda de caldo de cana e pela falta de luz elétrica, tinha em dois de seus filhos a ajuda necessária para o funcionamento da máquina. Nos fundos da loja, a fábrica já iniciava seus primeiros passos, isso ainda nos primeiros anos da primeira década aquele século.
O jornal “A Palavra” de 20/01/1909 noticiava: “Café Central. – Inaugurou-se no domingo último, nesta cidade, à rua das Flores, o restaurante do nosso amigo, senhor capitão Joaquim Thomaz de Aquino Filho. No gênero, é um estabelecimento decente e luxuoso, proporcionando ameno trato a todos que freqüentam, pois ele é provido de bebidas finas, doces, café, chocolate, etc. Fazemos votos para o novo restaurante encontre o mais feliz acolhimento por parte de nossa população”. Neste período já se registrava o aparecimento da bebida, que passaria a carro chefe dos Aquinos.
Verificamos que há algumas discordâncias sobre o período de surgimento do Conhaque da Alcatrão, pois alguns insistem que este começara ainda em 1905, mas o autor do livro “Introdução à História Literária de São João da Barra” João Oscar – edição Mini Gráfica Ltda – 1972 nos afirma que o período e ano seria 1910, quando este relata em seu livro o seguinte; “...Inaugurou o Café Central em 1909, um ano depois era estampada em outro jornal sanjoanense uma notícia interessante , onde se verifica que, já naquela época, Joaquim Thomaz começava a produzir o conhaque de alcatrão, símbolo de sua fama e de sua pujança. Diz a histórica notícia: ‘COCNAC DE ALCATRAÃO. Do nosso distinto amigo senhor capitão Joaquim Thomaz de Aquino Filho, estimado negociante e fabricante de bebidas nesta praça (grifo do autor), recebeu o nosso diretor um litro do cognac de alcatrão, de sua fabricação. Esta bebida, além de ter um gosto agradável, tem verdadeiras propriedades medicinais, sendo um poderoso remédio para constipações, tosse, etc’. – jornal Diário da Manhã – 15/03/1910.
Curiosamente a bebida teve seu início relacionada com a “farmaciologia popular”, muitos foram aqueles que relacionaram – na com as porções curandeiras da época, para qualquer mau presságio, o conhaque era a solução. Da dor de barriga à gripe, da tosse para fraqueza, todos tinham uma receita, cujo ingrediente principal era o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra.
O dileto autor continuava com sua análise de defesa transcrevendo assim: “Pela maneira como o articulista do ‘Diário da Manhã’ situava a notícia, podemos observar que o conhaque era a grande novidade surgida naquela época, o que nos leva a afirmar, com absoluta convicção, que Joaquim Thomaz Filho começou a fabrica-lo em fins de 1909 ou princípio de 1910.” - a contação que temos notícia (como verídica) é que já nos tempos de 1905 a fabricação da bebida existia. No entanto o mesmo autor João Oscar nos relata no na mesma obra sobre a troca de nome que sofria o Café Central: “Dias depois dessa notícia (referindo-se a questão da data de origem do conhaque) seria publicado no mesmo ‘Diário da Manhã’ um curioso anúncio, onde não mais se fala em Café Central, já se fala em outro estabelecimento – a Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas”!
Ainda sobre sua narrativa temos:
“Diz esse anúncio: 300 REIS – Joaquim Thomaz de Aquino Filho, proprietário da Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas, compra qualquer quantia de garrafinhas brancas, próprias para licores finos, e paga 300 Reis a cada uma”. – assim saia de cena o antigo Café Central, para dar lugar à empresa que representaria num futuro não muito distante a salvação econômica da cidade, visto que o declínio da navegação estava por chegar.
Os palhões – Quando a fábrica já representava a força da economia local, a produção cada vez maior, os pedidos, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra ganhava todo o país e até mesmo outras nações, caberia a Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas a organização desta produção antes mais artesanal. A preocupação com a embalagem e a segurança no transporte do milagroso produto pedia inovações. Surgem os palhões. Quem nos relata esta parte da história é o senhor Célio Aquino, primo de Hugo Aquino (atual presidente do Grupo Aquino): “Todo o vasilhame era embalado em palhões. Por isso a Fábrica de Conhaque, como era mais conhecida na cidade, a empresa de seu Joaquim Thomaz, também empregava, embora de forma indireta, grande parte da população pobre sanjoanense. Era difícil encontrar – se uma casa em São João da Barra sem um tear, pelo menos para a confecção dessa embalagem já em desuso...”
Em muitos dos relatos e até mesmo na literatura local, havia um compreenção de que se não fosse a ascenção da fábrica de conhaque exatamente no momento em que a economia portuária já não mais representava o seu vigor, São João da Barra estaria em um verdadeiro caos social. Vivendo apenas a sombra de seu passado.
Neste momento a produção desses palhões foram de maneira providencial para a manutenção de recursos para os menos favorecidos entre os da sociedade sanjoenense. Passaria a ser corriqueiro encontrar famílias inteiras, crianças, jovens, homens e mulheres indo às tabuas, como se ia na busca da lenha para os fogões. Buscar palha para os seus palhões representava algum dinheiro e conseqüentemente alimento em suas mesas.
Célio Aquino, com sua maneira livre, poética e com um certo grau de desabafo social diz: “...E assim o pobre ia vivendo honestamente, num lugar de poucos recursos... porque todos trabalhavam. Sei que seria um retrocesso voltar-se aos teares e aos cambitos do nosso passado já um tanto distante. Mas o governo podia arranjar hoje um meio qualquer do pobre ganhar a vida, evitando desta forma, que continue fazendo sopa de jornal picado para enganar a fome... Mesmo que do tipo palhão”. João Oscar também referia-se ao fato transcrevendo desta maneira: “...Não fora o empreendimento nascido do arrojo de Joaquim Thomaz, outro teria sido o impacto da crise econômica que ocorreu na cidade com o declínio do porto...” o mesmo autor cita um outro cronista sanjoananse Reynaldo Mello que escrevia no jornal “O Sanjoanense” , em setembro de 1972 o seguinte: “No estado de letargia em que caiu a cidade, a fábrica de Joaquim Thomaz era como seu próprio coração, promovendo a sístole e a diástole de um organismo que não podia e não pode morrer. Até hoje (set/172), é na fábrica da Praça São João ou nas demais seções, que muitos dos conterrâneos com suas famílias encontram o meio de sua subsistência”. Mas ainda sobre o palhão, este deveriam ser confeccionados na medida das garrafas, que após receberam seu rótulos eram embalados por vez, colados em caixas de madeira para dar idéia de maior segurança, mesmo assim tal procedimento não garantia cem por cento do intuito, pois nunca deixou de acontecer de uma ou outra garrafa se quebrar e lambuzar todo o restante, porém isso não importava, pois na verdade continuava a gerar trabalho.
“Cognac de Alcatrão da Noruega” – A bebida antes de ser conhecida como a conhecemos, tinha na verdade outro nome, era chamada de Congnac de Alcatrão da Noruega, como se lia no jornal campista “A Notícia” de 24 de julho de 1919 o seguinte anúncio: “Cognac de Alcatrão da Noruega – Remédio infalível para constipação e resfriados. Formulado pelo distinto clínico Dr. Eduardo Monteiro de Carvalho e fabricado por Joaquim Thomaz de Aquino Filho, de São João da Barra, Estado de Rio de Janeiro.”
Também o jornal “O Lutador” em sua edição de 20 de março de 1919 publicava: “Cognac de Alcatrão – Remédio infalível para a cura de constipações e resfriados. Preparado especial do fabricante Joaquim Thomaz de Aquino Filho., Encontra-se à venda nas principais casas de negócios desta cidade. Depósito e Fábrica – Rua Dr. Motta Ferraz, nº 34”. – Nestes dois anúncios que copilamos da obra do professor João Oscar, observamos que ambas se referem a bebida como remédio e não como bebida alcoólica.
Tornando-se costumeiro encontrar pessoas da população “receitando” para diversos de males o conhaque como remédio. Ao passar do tempo a bebida passou a ser chamada de Conhaque de Alcatrão de São João da Barra. De certo não só esta bebida era utilizada como remédio, nas anotações de Célio Aquino em seu livro “Minhas Histórias de São João da Barra” ele escreve relatando o quanto era costumeiro tais ‘receitas’ – “...Quinado Thoquino – para anemia. Era ainda tomado pelas parturientes no lugar da água inglesa – muito usado na época, - daí não ser de admirar o abuso de algumas de3las ao tomarem tremendos porres, já que, como medicamento, esse vinho a base de quina jamais poderia ser tomado qual delicioso aperitivo, e sim como remédio mesmo, respeitando-se a ‘bula’.
O tempo de ‘quarentena’ era sempre bastante longo naquela época, daí o inevitável... essas ‘pinguças’ mal paridas, e nem bem saídas da cama, verificavam estar novamente aguardando a visita da cegonha. Por isso lá estavam as coitadas, de barriga, ainda bem não descansavam da última esfrega...”
Dona Sissi ( senhora Josília Silva) 82 anos, aposentada como fiscal de receita federal em entrevista nos falava, que na mocidade tomava dos vinhos de jenipapo, de laranja, mas o que gostava mesmo era do Quinado Thoquino, do Thoquinol e do Fernet Thoquino. Ao falar seus olhos brilhavam como e uma menina as vésperas do carnaval. Acabando por me confidências que é animada torcedora do bloco carnavalesco do Chinês, um dos blocos tradicionais da cidade e que nos seus 82 anos continua a brincar o carnaval como sempre o fez, porém não mais com estas bebidas que apenas trás em sua memória.
Conhaque de Alcatrão de São João da Barra – Seus efeitos medicinais foram logo difundidos entre os da população, muitos que vinham em busca da bebida a fim de curar seus resfriados, tomando-o com leite quente e mel de abelha.
Por se tratar de uma bebida quente, que ajudava nas noites frias sanjoanense e conseqüentemente animando as longas conversas a beira dos fogareiros, diziam até que a bebida animava os homens e os deixavam mais dispostos.
Em minha pesquisa de campo pude observar que entre as senoras de mais 80 anos que entrevistamos, que enquanto se fala da bebida como remédio para resfriados e constipações, tudo corria muito bem, ao entrar na questão sobre os benefícios para a potencialidade sexual dos homens estas senhoras tratavam logo de mudar o rumo da conversa, porém observamos que no olhar entre uma fala e outra o assunto era de conhecimento de todas. Em volto a um grande tabu, o assunto era trato pelo menos entre as senhoras com reservas.
Porém quando da entrevista com o velho senhor Lobato, este muito bem humorado nos dizia: “Meu filho, se esta bebida deixasse o homem todo de pé, você acha que não estaria tomando barris dele? (e riu) “Isso tudo não passou de uma grande brincadeira e logo associaram a idéia. A verdade é que da idade ninguém escapa.”(riu novamente). Seu Célio Aquino, atribui a uma grande jogada de marketing, associando a bebida, quando do lançamento do slang Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, o Conhaque do Milagre!”
Durante minha pesquisa de campo acabei por conhecer o senhor Marilton Pinheiro, ilustre advogado, ex-vereador e diversas vezes secretário da municipalidade sanjoanense e contador de histórias muito bem humoradas que nos contou esta: “Dizem que certa vez um casal da cidade, casado a mais de 30 anos, não conseguiam ter um rebento, o esposo desolado certa noite resolvera por tomar um porre daqueles e acabou de secar uma garrafa inteira do Conhaque de Alcatrão de São da Barra, a seguir tomou o rumo de casa e quando lá já havia chegado, precipitou-se em uma refrega amorosa com a distinta patroa, que para sua surpresa ao final de 30 dias ficou sabendo que estava por esperar a chagada da cegonha. Podem falar o que quiserem, mas que a danada da bebida é boa isso ela é. Mas acredite eu mesmo nunca provei dela, o que sei ouvir alguém falar.”
Comecei a perceber que todas as vezes que fala sobre o tema título de minha pesquisa científica era sobre o velho conhaque, muitos foram aqueles que tinham uma versão que juravam ser verdadeiras sobre a origem do o seu slong “o conhaque do milagre1” – um destes meus amigos, Herbson Freitas, jornalista e presidente da Associação de Impressa Campista me contou esta: “Teriam três radialistas da antiga rádio Carioca do Rio de Janeiro embarcado para a cidade do México, isso no ano 50, para narrarem uma partida de futebol. Quando voltaram ao Brasil, um destes profissionais da comunicação teria trazido em sua bagagem uma quantia considerável de litros de tequila, bebida tradicional mexicana, ao chegar ao aeroporto, o fiscal alfandegário teria o interpelado e solicitado a vistoria de sua bagagem, muito nervoso abriu as malas e para a surpresa do agente da alfândega o que estava lá era litros de bebida. Este exclamou em voz firme: Mas isso é bebida alcoólica meu senhor! E num rápido discurso o repórter respoudeu que não se tratava de bebida mas sim água benta trazida da gruta de Nossa Senhora de Guadalupe, para sua velha mãezinha que se encontrava enferma. Certo da história o agente logo os liberou, porém ao dar alguns passos uma das garrafas foi ao chão, quebrou-se e um cheiro insuportável de tequila pairou no ar. E o fiscal gritou novamente: Isso é realmente bebida! O reporte muito desconcertado jogou-se no chão e exclamou: MILAGRE!!! ISSO É UM MILAGRE! Após risos e acertos com o agente alfandegário partiram sem maiores problemas.
Eu perguntei aonde entrava o conhaque nesta história. Ele logo me respondeu que fora desta passagem parodiana que os responsáveis pelo marketing do Conhaque no Rio se utilizaram para criar o slong.
Ao entrevistar ao Gerente Geral o Dr. Hélio Delbons, sobre qual a participação do conhaque no mercado hoje, se ainda é o carro chefe da industria que a quase cem anos fora fundada pelo sr. Capitação Joaquim Thomaz de Aquino Filho e sua afirmação fora rápida e direta: “ Apesar dos diversos produtos que a o grupo oferece tanto ao mercado brasileiro quanto do exterior, o Conhaque de Alcatrão de São João da Barra continua na linha de frente entre seus produtos.
Detalhes sobre a história do conhaque ele nos conta por exemplo que o próprio nome da bebida já gerou problemas até de ordem diplomática, pois a palavra conhaque, refere-se a uma cidade do interior da França e por esta razão o governo frances não queria que fosse utilizado a palavra conhaque junto a uma bebida que não teria origem de suas fronteiras. O departamento jurídico da empresa entrou com mandato de segurança, provando que a mais de 80 anos o nome já era utilizado e não haveria como ser diferente. A peleja continua.
Perguntei – o sobre o segredo da fórmula (ele sorriu). Sim este segredo é tão fechado quanto a da Coca – Cala, ainda me contou uma rápida história, mais ressente, quando um certo fiscal federal ao vir a industria para cumprir com uma fiscalização, exigiu que o então Dr. Hugo Aquino lhe disse os ingredientes que compunham a fórmula do conhaque e o Dr. Hugo respondeu que nem se o levasse preso lhe poderia revelar tal segredo. De certo hoje o Dr. Hugo Aquino Filho, Eu seu gerente geral e mais um ou dois funcionários tem conhecimento sobre a fórmula e seu segredo e com certeza estaremos passando para a quarta geração que já se encontra atuando como assessor direto da presidência.
De certo muitas outras histórias continuam povoando os pensamentos dos que desta bebida tiveram conhecimento. Histórias, contos, lendas, folclore ou crendice popular, não importa. O importante é que sua vitalidade ainda está presente. Em 2005, data em que o Grupo Thoquino marcou oficialmente com ano de seu centenário, sabemos que uma grande festa nos espera. Muitos fogos, muita música, muitas histórias, muitos porres e sem dúvidas muitas cegonhas prontas para novas e frutíferas visitas.
Metodologia: Foco desta pesquisa, o levantamento histórico e o resgate desta memória, hoje praticamente apenas na oralidade da população, força ao pesquisador quase que uma investigação digna dos contos londrinos. A visita a antigos moradores da cidade de São João da Barra, parentes dos fundadores da Industria de Bebidas Joaquim Thomas de Aquino Filho – Grupo Thoquino, seus antigos funcionários, a muitos antigos que ainda estão atuando junto a empresa foram fundamentais, não para a conclusão final deste trabalho, mas o início de uma grande pesquisa que começamos e que sabemos que muito ainda temos que buscar destas histórias.
Primeiro passo o registro por meio de gravadores, máquinas fotográficas e filmadoras, criando um acervo com informações detalhadas sobre a historicidade da bebida.
A visita a antigas agências de propaganda e a emissoras de rádios e televisão, a fim de buscar a reprodução fonográfica e de imagem destes acervos para conservação e formar um catálogo.
Com todos estes dados levantados e copilados, a elaboração do projeto “Acervo – 100 Anos do Conhaque de Alcatrão de São João da Barra”, cujo objetivo estar em produzir um vídeo institucional, uma exposição fotográfica itinerante e o lançamento do livro “Conhaque de São João da Barra – O Conhaque do Milagre!”
Conclusão: Muitas são as histórias que estão relacionadas ao Conhaque de Alcatrão de São João da Barra. Algumas com mais veracidades que as outras. No entanto o que mais nos chamam a atenção são exatamente os contrapontos que estas histórias nos oferecem. Registrar o que hoje só encontramos no meio das pessoas mais antigas da cidade, bem como das narrações oferecidas pelos órgãos oficiais da empresa acabam por alimentar ainda mais o folclore em torno do assunto.
Temos hoje certeza absoluta do papel importante que a O Café Central, A Fábrica Central de Bebidas Alcoólicas, o Cognac de Alcatrão da Noruega, passando assim por muitas outras bebidas e chegando por fim ao nosso Conhaque de Alcatrão de São João da Barra, foram decisivos na manutenção de divisas para aquele município e até mesmo nas transformações sociais, de costumes e de comportamentos de toda uma época, tanto para a cidade de São João da Barra, quanto para todo o Brasil.
Já a décadas a bebida é reconhecida em todo o território nacional, não há um ‘buteco’ no mais longincuo sertão nordestino ou nas serras gaúchas que não tenham ouvido falar e até mesmo experimentado deste sabor.
Nossa pesquisa quer e vai continuar a levantar velhas e novas histórias, verdades ou inverdades que cotidianamente estão presente principalmente entre os que vivem na cidade do alcatrão.
Registrar sua memória, resgatar seu folclore e contar suas crenças.
E beber de seu conhaque.
Pesquisas Biográficas:
- Aquino, Célio – “Minhas Histórias de São João da Barra” – Ed. Cultura Goitacá – 1997.
- Oscar, João – “Introdução à História Literária de São João da Barra” – Ed. Mini Gráfica Ltda – 1972 e “Apontamentos para a História de São João da Barra” -